Marta Hugon sobe hoje ao palco do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, para apresentar, pela primeira vez ao vivo, o seu mais recente álbum, “Bittersweet”.
As emoções de “Bittersweet” são transmitidas de forma diferente, uma vez que, ao quarto álbum, segundo de originais, Marta Hugon sentiu necessidade de se afastar das raízes jazzísticas que fazem parte da sua formação e com as quais se deu a conhecer. As canções são escritas para a música de Filipe Melo, resultando num trabalho de emoções sólidas, com composição e arranjos cada vez mais apurados, num repertório de contradições, como o próprio nome indica.
A apresentação ao vivo do quarto disco da cantora conta com Filipe Melo no piano, Mário Delgado na guitarra, Nelson Cascais no baixo, André Sousa Machado na bateria e um vasto elenco onde Samuel Úria é convidado especial.
Antes da subida ao palco do CCB, “Bittersweet” foi motivo de pausa para conversa.
Daniela Azevedo – Estamos aqui com “Bittersweet” a fazer-nos companhia ao almoço, é já o teu quarto disco, como é que o teu trabalho tem evoluído?
Marta Hugon – O nome “Bittersweet” já indica que é uma coisa um bocadinho diferente. Não se pode dizer que este seja um disco de jazz, embora tenha coisas do jazz. Para começar tem os músicos, incríveis, com quem eu toco desde sempre e na gravação estão muitos convidados. Em palco eu costumo estar com o Filipe Melo, pianista e co-autor das músicas; as músicas são dele e as letras são minhas, com o Mário Delgado na guitarra, Nelson Cascais no baixo elétrico e no contrabaixo, e André Sousa Machado na bateria. Esta é a base mas no concerto de apresentação vou ter mais gente, com cordas e sopros, e Samuel Úria como convidado porque ele fez comigo um tema muito engraçado. Este disco é um passo em frente, que mistura muitas referências e que tem um lado mais bitter, outro mais sweet, e esses lados podem estar, às vezes, presentes na mesma canção.
DA – Há alguma que seja exemplo disso?
MH – A ‘Silly Little Song’, por exemplo, uma balada que gravámos com orquestra, que é uma das minhas preferidas, e depois tens temas mais irónicos como a ‘Hate Song’, e tens o single, o ‘Allright’, que, no fundo, é um tema bastante esperançoso e foi o último a ser escrito. É o tema que tem mais produção de estúdio, tem muito o dedo do Nelson Carvalho, que foi quem o gravou, misturou e masterizou, e surgiu naquela fase do processo em que já está tudo gravado, só falta aquilo e a pessoa já está um bocadinho cansada a pensar: “Quando é que isto acaba!?” [risos].
DA – Esse também deve ter bem essa marca bittersweet…
MH – Acho que tem um bocado esse espírito, sim. Isto da música é um grande investimento pessoal e profissional e, às vezes, há momentos em que a pessoa se cansa porque as coisas são muito trabalhosas. Eu fiz a produção executiva do disco sozinha e há momentos em que é difícil dar conta do recado mas depois o ‘Allright’ acabou por sair um tema com uma onda muito boa e que tem essa mensagem: mesmo quando as coisas estão a ficar muito difíceis há sempre algo ou alguém que nos diz que vai correr tudo bem e neste caso é a própria música que diz que vai correr tudo bem.
DA – E o João Só também participa no teu disco. Como?
MH – Ele desenhou as vozes precisamente para aqui, para o ‘Allright’. Não canta mas pedimos-lhe que ajudasse nesse lado mais pop que o disco tem. No fundo, este é um disco de canções. De todos os temas este é o que está mais longe do jazz, por isso, era preciso alguém que pensasse como é que as vozes podiam funcionar ali e ele acabou por conceber umas vozes que eu gravei e acho que ficou muito bem, foi uma ajuda preciosa.
DA – Há tantos músicos no disco… Consegues tê-los sempre em palco?
MH – Não. Vou ter uma grande parte neste concerto de lançamento mas muitas vezes o repertório tem de ser adaptado a uma formação mais reduzida porque a maior parte dos concertos não me permite ter um quarteto de cordas ou um trio de sopro. Nos ensaios preparamos os concertos para uma versão mais reduzida.
DA – Quem são os primeiros a terem acesso àquilo que estás a fazer de novo?
MH – Os primeiros são os músicos, sendo que há uma ou duas pessoas laterais à música em quem eu confio para uma triagem e a quem mostro coisas diferentes em fases diferentes. Há outras pessoas a quem gosto de mostrar as letras, que me dão feedbacks objetivos e que me permitem fazer correções. Eu gosto de mostrar e do confronto com o outro mas a decisão de dar um tema por acabado, essa só eu própria posso tomar.
DA – Há alguns anos, quando nos conhecemos, o panorama para o jazz em Portugal não estava nada fácil. Como achas que está agora?
MH – Acho que há muita coisa a acontecer. Nunca se fez e se ouviu tanta música como agora mas depois os veículos de divulgação não são usados de forma igual para toda a gente. Infelizmente, cada vez a música depende mais de fatores que não têm nada a ver com a música. Depende do negócio, das editoras, e da forma como as pessoas conseguem chegar ao público. Neste momento não estou tão virada para o jazz apesar de eu ter um público fiel que vem do jazz e que eu já percebi que também gosta desta música que eu estou a fazer. Os rótulos são mais uma necessidade da indústria do que do artista mas acho que o jazz se tem sabido misturar com outras linguagens. Todos os meus músicos têm uma experiência muito diversificada e é bom poder contar com eles porque trazem contributos de fora muito importantes à minha música.
DA – Estar ao vivo também é para ti muito diferente de estar em estúdio?
MH – É o que eu mais gosto de fazer. Gosto muito mais de cantar ao vivo do que de cantar em estúdio. Para mim a experiência de ir a estúdio ainda tem um lado muito espartilhado. A forma como somos obrigados a usar o corpo e a voz em palco é diferente. No estúdio faço outras escolhas estéticas e tenho outra orientação. Em palco a experiência que depende de muitos fatores e é isso que a torna maravilhosa. Ali eu faço um shut down, não penso em mais nada, é um foco absoluto que resulta de uma forma única. No CCB vão ter uma oportunidade única de ouvir os arranjos maravilhosos deste disco e um elenco de luxo; estou muito contente.
Ouça, abaixo, o primaveril ‘Bittersweet’.