Entrevistar o Manuel João Vieira é um daqueles desafios para o qual achamos que nunca estaremos devidamente preparados por mais anos de experiência que se carreguem. Homem culto mas de uma ironia infindável, recebeu-nos na sua casa em Campo de Ourique para uma conversa longa e que se perdeu por vários entretantos.
Chama-se “Portugal dos Pequenitos” e é o novo álbum dos Irmãos Catita. O disco traz 19 divertidas cantigas num burlesco castiço que surge no ano em que o grupo assinala 25 anos de carreira. O terceiro álbum, que pretende «agradar e desagradar a gregos e portugueses», tem, ainda, influências dos Beatles, de José Cid, e de Mina e Alberto Lupo, numa irónica catitologia apresentada pelo líder da banda, Manuel João Vieira, que nos recebeu simpaticamente em sua casa para a entrevista, enquanto se preparava para os concertos de Verão e de rentrée dos Irmãos Catita.
«Somos uma banda de rock regressivo, não acreditamos no progresso, acreditamos no retrocesso, aliás se olharmos à nossa volta em termos políticos é isso que está a acontecer no mundo todo, por isso estamos no caminho certo», só para abrir o apetite…
Porque escolheram o nome “Portugal dos Pequenitos” para o álbum?
Porque chegámos a uma altura em que neste país, cada vez mais, estamos alheados da nossa própria realidade. Acho que houve um cortar com as nossas raízes e há cada vez mais um fascínio pelo que se faz lá fora, por mais ruim que seja, por isso acho que devíamos revisitar a nossa santa terra, que é uma terra linda, cheia de pequenas histórias. O Portugal dos Pequenitos é maravilhoso, é a Disneylândia portuguesa e queríamos dar o nosso contributo para o recuperar, que contou com a Marly que está a fazer de Rainha Santa no disco.
Como é que os Irmãos Catita têm evoluído musicalmente?
Não evoluímos; nós regredimos. Somos uma banda de rock regressivo, não acreditamos no progresso, acreditamos no retrocesso, aliás se olharmos à nossa volta em termos políticos é isso que está a acontecer no mundo todo, por isso estamos no caminho certo.
O vosso álbum “Very Sentimental”, de 1996, é um álbum em que se nota que houve um esforço por fazer letras com bom vocabulário, com boas músicas, o que também se verificou noutros artistas que se destacaram nos anos 70, 80 e 90, e agora também, desde 2010. Achas que os anos 2000 foram anos com menos projecção para a música nacional?
Pá, não sei… houve putos novos com projectos interessantes. Acho que há sempre bons grupos mas às vezes as pessoas não respeitam a sua originalidade e a sua própria intuição musical e tentam encaixar-se em modelos culturais estrangeiros. Estamos a ser colonizados e isso leva a que se faça música com menor esforço.
Na canção ‘Músicas Foleiras’ referes-te a vários artistas portugueses… eles não ficam aborrecidos?
Para mim foleiro quer dizer lindo, para mim foleiro não tem o significado de piroso, horrível ou nauseante. Para mim foleiro vai no sentido das músicas que ouvíamos em criança e que deram toda uma moldura de felicidade à nossa meninice, mesmo nos casos em que alguns de nós éramos sodomizados pelos próprios parentes e essas músicas deram um lado mais colorido à coisa. Há também uma justa referência ao José Cid, o homem que mais canções que ficam no ouvido compôs em Portugal e que nos deu muitas alegrias; a nós e às nossas primas quando estávamos feitos com elas.
As letras das vossas canções são um bocado machistas. Já alguma mulher vos chamou mal-educados?
Há quem diga isso mas as letras são todas acerca de coisas bonitas e maravilhosas. Eu tenho um vislumbre da mentalidade da maior parte dos portugueses, portanto, considero que essas músicas são precisamente uma crítica, em forma de ironia e de amor, ao machismo. Tenho um enorme respeito pelas mulheres, pelos homens, pelos animais e pelos vegetais.
Porque é que não entraste nesta corrida às eleições presidenciais?
Precisamos de um presidente que tenha como objectivo erradicar o mal e promover o bem. Eu, infelizmente, não tenho uma única secretária, o Comité Central está vazio. Uma pessoa sozinha, com os trabalhos que tenho para fazer, é um bocado complicado andar a bater de porta em porta à procura de assinaturas, não tenho tempo. Se, entretanto, aparecerem pessoas dispostas a fazer esse esforço patriótico, estou completamente disponível. Neste momento, daria mais poderes à figura do presidente, além de declarar guerra à ilha da Madeira e às ilhas Desertas.
Bom, essas também não iam oferecer muita resistência…
Pois mas nós também temos que começar pelo que é mais fácil.
Porque é que o Manuel João Vieira, um homem culto, escreve estas músicas?
Eu trabalho na música popular e sempre houve na tradição portuguesa as canções de escárnio e maldizer e eu misturo-as com outras mais irónicas e obscenas. O que se passa é que só se fala de um disco por causa dos 20% de músicas obscenas que lá estão, como se as outras não existissem. Isso é muito interessante e revela como a hipocrisia portuguesa funciona. Talvez seja porque os inimigos políticos do Manuel João Vieira estão em todo o lado.
Podemos falar em herança cultural dos Irmãos Catita?
Fizemos o que tínhamos que fazer e não sei porque raio fomos neste caminho. A seguir acho que vou fazer um disco de canções de amor, para descansar um bocado, e depois disso não sei.
No início deste mês vi-te no NOS Alive, estavas a chegar ao palco principal. Qual é a tua opinião sobre a febre dos festivais de Verão que vivemos em Portugal?
Esses concertos são tão grandes que só conseguimos ver os artistas na televisão, é parecido a estar em casa a ver televisão. A diferença é que estamos no meio de imensa gente, portanto passa a ser parecido com uma ida ao futebol. Dá imenso jeito às empresas que estão a promover isso e é muito satisfatório para quem está a poucos metros do palco. Para as outras pessoas já não entendo tão bem. Como artistas acho que, simplesmente, não gostam de nós. Deve ser por causa da linguagem ou então é coincidência. Em relação a mim também deve ser porque sou deficiente mental.
Há diferenças entre este Manuel João Vieira com quem estou falar e o que costuma estar em palco?
Normalmente o que está em palco tem uma cerveja ao pé.
Trabalho feito por Daniela Azevedo para o extinto site do grupo Media Capital Rádios: Cotonete – Música e Rádios Online