Aurea: de menina a mulher em dois álbuns

Aurea por Nuno Fontinha

O título não engana, é música soul, com aquele instrumento aqui e além a remeter-nos para um ambiente sonoro mais vintage mas a beneficiar dos “contrapesos” inspiradores de Aurea com uma frescura moderna: Joss Stone e Amy Winehouse. De referir que este equilíbrio e “piscar de olho” entre gerações tem o mesmo efeito no público presente, composto por pais e filhos, casais de todas as idades e eu, claro, que não podia perder mais uma actuação marcante de uma das minhas cantoras-revelação favoritas.

‘Do What’s Best For You’, ‘Don’t You Dare To Touch Her’ e ‘Twice Upon a Time’ são os primeiros temas a encher o Tivoli, também ele cheio, e a servirem de excelente cartão de visita para o disco novo.

Aurea mantém a mesma inocência de menina numa mulher cujas experiências de vida, de amores e desamores, de fantasmas passados e de sonhos por viver, lhe garantem agora uma riqueza lírica e um leque de público mais abrangente e com características que nos fazem pensar que também lhe será fiel daqui para a frente. Quem passou pelo Coliseu dos Recreios em Novembro de 2011 terá, esta noite, feito a inevitável comparação com a produção que engrandeceu esta cantora que, para quem não conhece bem, ainda pode induzir no erro de “ser mais uma estrangeira”. O «nervoso enorme» continua lá mas a jovem artista já deu mais que provas que navega entre o brilhantismo de um Coliseu preparado para filmar um DVD, com a mesma classe e o mesmo arrepiante registo vocal com que, sempre descalça, se encosta a um PA e “dá de si” num qualquer modesto showcase.

‘Scratch My Back’, o primeiro single a sair deste disco novo, deu o empurrãozinho que faltava ao público para começar a apoiar e a aplaudir condignamente a cantora. O aplauso, nestes casos de timidez inicial, é como o bocejo: contagia-se e facilmente muda o ambiente de uma noite que já estava em crescendo quando Aurea regressou às canções do seu álbum de estreia, homónimo. ‘Waiting, Waiting (For You)’, ‘The Main Things About Me’ e ‘Ok Alright’ são os momentos escolhidos para os seis músicos que a acompanham, juntamente com as duas vozes de coro, também mostrarem do que são capazes. E é muito.

«Sabem aquelas pessoas que por mais que tentem, a dada altura já não as conseguimos ouvir mais?». É assim que Aurea apresenta aquele que é agora o segundo tema forte do registo “Soul Notes”. É a típica canção do “pôr tudo cá para fora”, chama-se ‘Nothing Left To Say’ e ninguém lhe fica indiferente. Muito menos ao quase sussurrar entre amigos da confissão acústica contida em ‘Start Over’ que se lhe seguiu.

Na recta final do concerto vem a prometida surpresa. Tal como já aconteceu no Coliseu, Aurea faz questão de incluir um sempre arrebatador dueto e desta vez a sorte calhou ao «grande talento» Héber Marques, o vocalista dos HMB com quem interpretou ‘I Think I’m In Love (Counting Planes)’ – e que melhor maneira de fechar assim o mês típico do São Valentim?

‘No No No No (I don’t want fall in love with you baby)’ volta a recordar o primeiro disco misturando-se, num apelo à difícil participação do público, com o clássico ‘I Feel Good’ que deixaria o típico gingar do próprio James Brown parecer um tímido balançar de baile de finalistas comparado com a graciosidade de Aurea. ‘Goodbye Song’, ‘If You’re Good To Me’ e o inesquecível ‘Busy For Me’ dão espaço para o primeiro encore em que Aurea nos deixa espreitar um bocadinho do seu mundo ao dedicar ‘Just Like You’ «a ti que me és especial e estás esta noite aqui».

A apropriação de todo um imaginário cultural e musical dos anos 50 e 60 só enriquece ainda mais a identidade de Aurea que se destaca nesta era do download digital. Só foi pena a sala impedir aquilo que Aurea faz tão bem nos seus concertos e que é o embalar entre os momentos intimistas e as músicas “a la” Ella Fitzgerald. Só foi pena a sala impedir aquilo que Aurea faz tão bem nos seus concertos e que é o embalar entre os momentos intimistas e as músicas “a la” Ella Fitzgerald. Uma cantora como ela apenas merecia um público mais “presente”.

Aurea por Nuno Fontinha
Aurea no Teatro Tivoli, Lisboa, a 28 de fevereiro de 2013, fotografada por Nuno Fontinha

Trabalho feito por Daniela Azevedo para o extinto site do grupo Media Capital Rádios: Cotonete – Música e Rádios Online

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.