Jane Goodall na National Geographic Lisbon Summit: «Devemos estar orgulhosos de fazer parte deste mundo dos animais»

Jane Goodall com o chimpanzé Freud fotografada por Michael Neugebauer

A National Geographic Lisbon Summit realizou-se, pela primeira vez em Portugal, no Teatro Tivoli BBVA na passada quinta-feira, dia 25 de maio, e, através de três reconhecidos profissionais da marca, abordou a preservação do planeta e dos animais, a degradante condição humana que acontece em tantos países deste mundo interligado e, em consequência dessa interligação, o impacto que o gigantesco desperdício alimentar tem no mundo inteiro.

Para a cimeira de despertar de consciências, a National Geographic, que nasceu há quase 130 anos com o propósito de promover a exploração, educação e ciência, trouxe a Portugal a fotógrafa Jodi Cobb, o ativista do combate ao desperdício alimentar, Tristram Stuart e a investigadora e também ativista, Jane Goodall, que ficou mundialmente conhecida devido à investigação que desenvolveu sobre o comportamento dos chimpanzés no seu estado selvagem.

Jodi Cobb: «Nunca estás preparado quando as grandes oportunidades aparecem»

Jodi Cobb é uma das grandes fotojornalistas da atualidade, com prémios tão prestigiados como o da National Press Photographers Association e da World Press Photo, e foi ainda a primeira mulher a ser distinguida com o título de “White House Photographer of the Year”.

Com grande ansiedade no ar e à hora certa o grande ecrã montado no palco do Tivoli começou por nos brindar com o olhar crítico da fotógrafa logo no vídeo de introdução com uma mulher asiática por detrás de uma grade azul. Jodi Cobb fotografou a China quando o país ainda era fechado ao Ocidente e conseguiu entrar e registar em imagens o secreto mundo das gueixas – já só existem cerca de 800. «Cheguei a ser confundida com a Doris Day», brinca. A sua passagem pela Arábia Saudita e a missão de fotografar mulheres naquele território também teve tanto de intrigante quanto de perigoso.

«Tornei-me fotógrafa porque queria mudar o mundo. Mas isso revelou-se um bocado mais complicado do que eu imaginava em criança», contou Jodi Cobb, captando de imediato todas as atenções e conquistando o silêncio desejado na sala. Cobb teve a sorte de conseguir ver boa parte do mundo ainda antes dos 12 anos, graças ao espírito aventureiro dos pais. «Lembro-me de o meu irmão de quatro anos perguntar: “O que posso fazer hoje que ainda não tenha feito?” Quando se tem quatro anos, a resposta para isto é: “praticamente tudo”. Mas nunca mais me esqueci dessa pergunta em toda a minha vida», revelou a premiada fotógrafa.

Jodi Cobb também lembrou como começou a sua jornada na “NatGeo”: «Primeiro vi o meu pedido de estágio ser recusado mas quando tive a oportunidade, apesar de me ter aconselhado com os meus pais, decidi arriscar. Nunca tinha fotografado a cores nem tinha lido uma única revista. Nunca estás preparado quando as grandes oportunidades aparecem».

A curiosidade quase irresponsável levou esta jornalista de formação a percorrer os meandros da escravidão e tráfico humano, a fotografar uma arriscada tribo canibal da América e ainda muitas outras tribos africanas para conseguir ter várias vertentes sobre a tão controversa “beleza feminina”. «Sou fascinada por processos bizarros, como esse da indução de mudanças permanentes nos corpos», confessou-nos.

27 milhões de Seres Humanos são comprados e vendidos em todo o mundo e essa condição humana foi, também em Lisboa, retratada em imagens. Em África, famílias e gerações inteiras estão presas à escravidão.

Jodi Cobb – Nunca estás preparado quando as grandes oportunidades aparecem

Tristram Stuart: «Nunca soube de um dono de supermercado processado por ter dado comida»

Tristram Stuart é um autor premiado internacionalmente, orador, ativista e especialista em impactos ambientais e sociais decorrentes do desperdício de comida. O jornal Times já fez excelentes críticas aos seus livros e a TED Talk de Stuart tem mais de um milhão de visualizações.

Pouco depois da nota introdutória, ficamos a conhecer o processo que o levou a fundar uma marca de cerveja artesanal, a Toast Ale, feita com pão deitado fora (as extremidades do pão de forma). Antes de ter criado a cerveja com base em pão desperdiçado, este Explorador Emergente da National Geographic organizou a campanha “Feed the 5000“, que oferece cinco mil refeições preparadas apenas com alimentos de qualidade que teriam ido para o lixo. «Muita da comida que vai para o lixo, principalmente vinda dos supermercados, está em perfeitas condições para ser consumida», conclui.

Contudo, esta é a face mais feliz de uma realidade abordada por Tristram e até pela plateia: a questão dos donos de supermercados que mandam envenenar a comida antes de se deitar fora para evitar que seja consumida pelos sem-abrigo. Ainda assim, o ativista deixou uma mensagem positiva a Portugal: «Nunca soube de um dono de supermercado processado por ter dado comida a um sem-abrigo em vez de a envenenar. De acordo com dados norte-americanos, nem uma única pessoa no mundo foi processada por dar alimentos, isso são tretas!».

No final, e tal como é apanágio da National Geographic, Tristram deixou uma mensagem de esperança num mundo mais equilibrado.

National Geographic Summit 2017
National Geographic Summit 2017

Jane Goodall: «Se queres mesmo uma coisa, esforça-te muito, aproveita as oportunidades e nunca desistas porque vais encontrar um caminho»

Talvez a participação mais emocionante e que levou muito do público a puxar dos lenços de papel veio de Jane Goodall. Para mim, foi o concretizar de um sonho lindo o ter conhecido a senhora que, muito no início dos anos 90, me inspirou a perseguir a causa animal, na altura através de uma caderneta de cromos da WWF.

Aplaudida de pé ainda antes de falar, a cientista apresentou-se com três peluches: de um macaco, de uma vaca e de um roedor. Primatóloga e um dos rostos mundialmente conhecidos no ativismo da defesa animal, Jane tem 83 anos e há muito que não se conformou com as fronteiras da sua Grã-Bretanha natal. «Uh, uh, uh, ah, ah», foi a forma como se apresentou ao público, tal como fazem os seus amigos macacos, esclarecendo, «isto significa: “Sou eu, a Jane”».

A história de Jane começa ainda muito em criança, com quatro anos, quando foi passar uns dias de férias a uma quinta com galinhas, vacas e porcos. «Andava toda suja de palha a tentar perceber de onde vinham os ovos. Conhecem aquele filme o “Dr. Doolittle?” Eu era assim!», recorda Jane, enquanto nos conta que, na sua infância, a vida era muito diferente e tinha que ler livros em segunda mão: «O primeiro livro que li, adivinhem… foi o “Tarzan dos Macacos“, de Edgar Rice Burroughs. Apaixonei-me, mas o mais aborrecido foi ele ter casado com a Jane errada!», brincou. «Se queres mesmo uma coisa, esforça-te muito, aproveita as oportunidades e nunca desistas porque vais encontrar um caminho», acrescentou.

E foi inspirada por esse sonho e essa crença que, a meio da II Guerra Mundial, conseguiu juntar algum dinheiro para comprar um bilhete para o Quénia, onde viria a dar os primeiros passos da sua história de vida como cientista apesar de, nessa altura, estar apenas dotada de uma enorme curiosidade científica, sem estudos na área.

Até essa altura, só Henry W. Nissen tinha estudado cientificamente o comportamento dos chimpanzés selvagens ao longo de cerca de dois meses. Outro dado curioso é que a cientista conseguiu concluir um doutoramento em 1966 sem nunca se ter licenciado.

Na selva, as primeiras conclusões de Jane Goodall foram as de que, ao contrário do que se julgava, os chimpanzés têm um nível de inteligência tão apurado que lhes permite usar ferramentas a seu favor, algo que se pensava ser exclusivo do ser humano. Psicologicamente, os primatas também têm emoções boas e más, tal como nós: «Os chimpanzés também têm um lado negro, agressivo  e até conseguem planear batalhas. Alguns morrem nessas lutas. Por outro lado também conseguem ser altruístas, ter compaixão para adotar um órfão e as crianças sofrem muito quando perdem a mãe», exemplifica Jane Goodall. Foi ao conseguir que estas histórias fossem filmadas que Goodall viu o seu propósito ganhar vida.

A abordagem da cientista foi, todavia, muito informal e “fora da caixa”, como se descreverá hoje em dia: «Para eles eu era um macaco estranho, pálido. Mas eu abraçava-os e beijava-os, ganhava a sua confiança e passava a fazer parte das suas comunidades. Eu dava-lhes nomes e não números, o que chocou muito os intelectuais daquele tempo». A partir de certa altura,  Jane Goodall apercebeu-se de que o número de chimpanzés estava a diminuir devido à venda ilegal da sua carne. «Havia cientistas que, para levarem a cabo as investigações, enjaulavam os animais em más condições. Recusavam-se a aceitar que havia paralelo da vida dos chimpanzés com emoções e inteligência. Tive que abandonar a minha amada selva para ir à procura de soluções», descreveu-nos.

Depois de ter procurado por soluções e financiamento, enquanto se apercebeu que não era justo estar a lutar pela qualidade de vida dos animais quando havia pessoas a morrerem “com um simples arranhão”, Jane abriu um parque natural onde monitoriza a população de chimpanzés e onde, garante, tem conseguido bons resultados na preservação do habitat e dos animais que lá vivem: «Sempre tive esperança, não aceito que me digam que que nada se pode fazer». Este foi o primeiro passo para a criação da Global Forest Watch.

Para o futuro, Jane Goodall diz-nos que é preciso tirar partido das novas tecnologias e dos social media para juntar cidadãos e fazermo-nos ouvir. «Devemos estar orgulhosos de fazer parte deste mundo dos animais», concluiu antes de levar a plateia às lágrimas com a exibição de um vídeo no qual demonstra como uma macaca, depois de estar à beira da morte e ter sido resgatada, a abraçou antes de voltar à sela. «Nunca nos tínhamos visto antes», ressalvou.

Aqui fica um vídeo explicativo do que é e como funciona a GFW.

E o emocionante vídeo da libertação:

Daniela Azevedo

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