Blind Zero: no rules, great music

Blind Zero no Teatro da Trindade, em Lisboa, a 21 de fevereiro de 2015, fotografados por Nuno Fontinha

Atingir a idade adulta pode dar-nos a liberdade de fazer algumas loucuras e satisfazer várias das nossas mais recônditas curiosidades, mas os Blind Zero, ao atingirem os seus 20 anos de carreira, quebraram, deliberadamente, algumas das regras assumidas do género musical a que se dedicaram nestas duas décadas. Com o prometido “desligar da corrente” a que os Blind se propõem nesta digressão acústica, estava tudo pensado para que o peso das palavras fizesse tombar a balança para um aconchego diferente do abanão que estamos acostumados a levar a cada concerto dos portuenses. E, em abono da verdade, foi assim que o espectáculo começou “ao colo” de ‘On The Dawn’, ‘Big Brother’ e ‘Return to Sender’.

Com o ambiente criado e o público a tomar-lhe o gosto, o vocalista, Miguel Guedes, prepara os corações que andam à bulha com as borboletas da barriga para a sua «twisted love song», ‘Tree’, que já vem dos tempos de “Redcoast”, de 1997, e que tem vindo a ganhar uma dimensão mais intimista à medida que os anos a vão despindo das sonoridades mais agressivas do início de carreira dos Blind Zero.

Este regresso ao passado era inevitável num concerto de celebração de 20 anos de vida ligada à música e aos palcos. A viagem no tempo contemplou, contudo, em boa parte o álbum de estreia, “Trigger”, de 1995, com o qual os BZ reconhecem ter «uma relação um pouco ambígua. É, ao mesmo tempo, o disco mais afectivo e o que está mais distante de nós». Daqui saíram, a seguir, ‘More Than Ever’ e ‘No Soul’, intercaladas por outras mais recentes como ‘Snow Girl’ e ‘Back To The Fire’, o tema que voltou a juntar a banda depois do já muito falado hiato, ou «bloqueio criativo» como lhe chamam, ocorrido entre 2005 e 2010.

Por esta altura, já toda a gente tinha percebido que a promessa do acústico estava a cair por terra e que estamos perante uma versão dos Blind com novos (e melhorados, acrescento eu) arranjos para as músicas que os acompanham há uma vida. «Podem levantar-se à vontade, eu já me levantei, não se acanhem. Nós levantamo-nos num café e pedimos uma meia de leite», brinca Miguel Guedes perante uma plateia composta, na maioria, por fãs dos tempos das borbulhas na cara.

Sendo já sabido que os rapazes do Porto estão a preparar, para as próximas semanas, o lançamento de “Kill Drama II”, o álbum que revisita o “Kill Drama” de 2013 com duetos e convidados, nada como trazer a palco um amigo de longa data: Jorge Palma. O poeta de canções interpretou ‘Happiness is Easy’, a meias com Miguel, não sem antes deixar o público boquiaberto com o reverso desta partilha, ou seja, o vocalista dos BZ a interpretar o forte ‘Senhora Solidão’, do Palma, num momento único e sensível para ambos que, por certo, ali renovaram os votos de uma grande e sentida amizade. As imperfeições nas vozes emocionadas foram a prova de que quando a música atinge uma dimensão física, isso só lhe valoriza o conteúdo.

Sem recursos artísticos de palco, coube ao baixista e produtor Nuxo Espinheira assegurar o espectáculo com um momento de pausa que, além de nos fazer perceber que é um forte adepto dos canais de história quando tem insónias, também mostra que é um dos elementos-chave na família Blind Zero cuja discrição habitual lhe vela um grande sentido de humor. «O Nuxo às vezes tem insónias, depois fica a ver o canal História e o National Geographic e vai contar-vos como descobriu o significado da palavra “maratona”», antecipou Miguel Guedes abandonando o palco com a restante banda para deixar Nuxo Espinheira sozinho a contar a origem da palavra, num relato muito aplaudido.

‘Shine On’ e ‘Slow Time Love’ fazem a ponte até ao primeiro encore que já começa com um tema recente: ‘I’ll Take You Home’, o segundo single de “Kill Drama II” que, no original, conta com a voz de Sandra Nasic, dos Guano Apes. O tal quebrar de regras assumidas, que comecei por referir, volta a ter eco quando Miguel Guedes, num tom gutural (e brutal!), volta a chamar sobre si todas as atenções com uma surpreendente versão de ‘Wrecking Ball’ de Miley Cyrus, apesar de ser relativamente frequente “apanhá-lo” em covers improváveis de artistas menos prováveis ainda que torna “seus”, como Sam Smith ou David Guetta, por exemplo. Com o vermelho escuro a dominar o ambiente de sala, voltámos todos a ter menos de 20 anos e a reviver o espólio de emoções que o tempo não apaga ao som de ‘Skull’.

‘Sad Empire’ e ‘Recognize’ já são tocados com o público todo de pé e fecham em grande uma noite muito aguardada pelos fãs da capital que talvez não estivessem à espera da tão grande proximidade e harmonia com o ambiente alfacinha que os Blind Zero conseguiram criar. Já agora… falta muito para cá virem outra vez?

Blind Zero no Teatro da Trindade, em Lisboa, a 21 de fevereiro de 2015, fotografados por Nuno Fontinha
Blind Zero no Teatro da Trindade, em Lisboa, a 21 de fevereiro de 2015, fotografados por Nuno Fontinha

Trabalho feito por Daniela Azevedo para o extinto site do grupo Media Capital Rádios: Cotonete – Música e Rádios Online

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