Foi, provavelmente, a entrevista que mais nervoso miudinho me causou este ano. Afinal, Mariza é, hoje em dia, uma super-estrela que leva o nome, a cultura e a tradição portuguesas além-fronteiras. Nem David Letterman lhe resistiu, como disse nesta conversa que tivemos. Depois de uma gravação que teve de ser interrompida a meio, “por motivos de ordem técnica”, acabámos a falar de saldos 🙂
Mariza está de regresso aos discos e cinco anos depois do último trabalho a cantora reinventou-se em “Mundo”. O novo disco, ao contrário do que se possa pensar, não é propriamente um reflexo das muitas viagens que Mariza fez por esse mundo fora nos últimos anos, mas sim uma viagem ao seu mundo interior onde se reavalia e se mostra numa nova versão: a de mulher, mãe e cantora e, pela primeira vez, a cantar em castelhano.
Mariza, o teu novo álbum, “Mundo”, viaja por vários estilos e referências, mas não é sobre viagens. O que encontramos em “Mundo”?
Passei cinco anos sem gravar e esses cinco anos trouxeram-me outra maturidade, uma outra forma de estar perante a música, o público, outra forma de cantar e viver a experiência de estar em palco. Quando voltei a gravar queria que as pessoas entrassem no meu mundo, percebessem o que aconteceu em cinco anos e naquilo em que me transformei. Quero fazer um convite às pessoas a entrarem no meu mundo, no meu universo musical onde agora está uma Mariza diferente.
Em que medida é que a Mariza de hoje é diferente daquela que começou a cantar em criança?
Existe um crescimento pessoal. A minha voz está diferente daquela que tinha quando gravei o primeiro disco; agora é mais madura, tem mais peso. Mas depois há um crescimento também humano e musical que vai aparecendo de disco para disco. O primeiro, “Fado Em Mim”, é muito inocente, foi como presente para o meu pai, e acabou por ser editado em 32 países. O segundo disco, “Fado Curvo”, é mais escuro porque eu estava um bocado mais zangada com as comparações que as pessoas tentavam fazer com Amália Rodrigues porque nunca foi essa a minha intenção, nunca tentei ser a nova Amália, não tem nada a ver. Chego ao “Transparente”, em 2005, de forma mais suave, percebo que afinal estou a gostar do percurso e já tenho algumas seguranças. “Terra” já mostra os reflexos da viagem toda que faço até ali… as digressões, os conhecimentos que travei com outros músicos. Com “Fado Tradicional” já tinham passado dez anos desde a estreia. Nessa altura sou embaixadora da candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade. Eu cresci num ambiente de fado tradicional e sabia do que se estava a falar. Depois, a vida obriga-me a parar e eu repenso tudo. A vida obriga-me a questionar, a fazer balanços sobre aquilo que quero, se estou feliz, tudo numa altura em que eu e o meu filho corremos risco de vida. Isto levou a uma mudança brutal na minha vida. Este álbum não é um recomeço; é um começo.
Sendo tu uma artista já tão internacional, como é que te tens sentido a mostrar Portugal lá fora?
Eu gosto imenso do que faço, é um orgulho, e cada vez mais me apercebo que as pessoas conhecem Portugal pela sua música mas também pelo turismo. Poder cantar em português nas melhores salas, estar ali a bater-me taco a taco com grandes artistas internacionais, é maravilhoso.
Conta-nos lá como foi estar no programa do David Letterman [o Late Show, da CBS]!
Ao princípio ele estava meio céptico, por eu ser portuguesa… mas quando comecei a cantar, voltou para trás e ficou a ouvir a música até ao fim que é uma coisa que ele não faz. Tudo live, live! (risos)
“Mundo” tem alguma canção que possa tornar-se tão icónica quanto a ‘Ó Gente da Minha Terra’?
Acho que nenhuma pode vir a ser tão marcante como a ‘Ó Gente da Minha Terra’. Este disco é feito à minha medida. As pessoas que o escreveram e compuseram fizeram-no especialmente para mim, para a minha voz, para este momento. Não existe uma música que sobressaia mais que as outras, todas são importantes. Quando cheguei a estúdio levava 28 músicas, tive que escolher 14 e foi um processo muito difícil!
Talvez as possas editar mais tarde…
Não! Já passou. Elas têm um tempo. Tudo tem a sua altura.
E quando vai haver concertos para mostrares o álbum novo?
Dias 26 e 27 de Novembro são os concertos de apresentação no Coliseu do Porto e dia 7 de Dezembro no Meo Arena, em Lisboa, em casa.
Alguma vez imaginaste que pudesse vir a existir um festival de fado, como o Caixa Alfama?
Nunca me ocorreu que alguma destas coisas pudesse acontecer. Quando, aos cinco anos, comecei a cantar fado, foi um bocadinho esquisito. Na escola perguntavam-me o que fazia nos tempos livres e, quando eu dizia que cantava fado, só ouvia: “Que careta! Isso é para os velhos!” Depois comecei a dizer que só saía com os amigos, o normal… A dada altura começaram a mostrar-me Pink Floyd e Rolling Stones e eu achava giro mas o meu universo era outro. Hoje é engraçado ver a nova geração de fadistas, a que usa brinco, faz tatuagens e vai visitar o museu do fado. Quando vou às escolas falar de fado há sempre alguns alunos a dizerem que não gostam do género mas eu digo-lhes que no século XIX os fadistas eram cheios de pinta, que faziam hip hop. A seguir começam logo a querer saber mais!
Tens tempo para participar nesse tipo de iniciativas?
Agora tenho pouco, ando sempre em viagem. Cheguei no domingo da Suécia, na segunda-feira gravei um vídeo atá à meia noite, hoje estou a dar entrevistas, no fim de semana tenho concertos, e depois sigo para os Estados Unidos. Às vezes há coisas que ficam muito para trás, até o acompanhar do trabalho de outros fadistas.
Sentes-te uma super-estrela?
Eu? Não sou nada! Até ando a namorar um casaco aqui na loja em baixo e acho que não o vou comprar. É muito caro, nem o Pai Natal mo quer dar! (risos)
Em casa, cantas fado ao teu filhote?
Não! Ele gosta de escolher as músicas dele. Prefere ir ao Youtube sozinho e ouve da mãe n’O Tempo Não Pára’ mas ele tem a sua própria vida. Há dias tentei contar-lhe uma história e despachou-me logo! (risos)
Fazes questão que ele tenha formação musical?
Ele gosta de ir ao palco e, como temos um piano em casa, ele também gosta de tocar e fazer os seus concertos (risos). Só faço questão que tenha formação musical se ele for bom. Se não for, não vale a pena. Mas ele é muito musical.
Trabalho feito por Daniela Azevedo para o extinto site do grupo Media Capital Rádios: Cotonete – Música e Rádios Online